Introdução
Durkheim viveu numa Europa conturbada por guerras, numa França
marcada por revoluções, na transição do Império para a Terceira República. As
mudanças sócias decorrentes da Revolução Francesa e Industrial influenciaram
fortemente sua produção científica e sua teoria sociológica. Os seus trabalhos
refletem a tensão dos valores e instituições que estavam sendo corroídos por
essas transformações. A industrialização, com sua força de transformação,
impunha a necessidade de mudanças naquela sociedade outrora impregnada por
valores medievais. Durkheim compartilhava a crença, comum na sua época, de que
a humanidade avançava, gradualmente, em direção ao progresso. Mas entendia que
sua época precisava superar o desafio da substituição da força integradora de
instituições como a religião e a família, por instituições mais ligadas às
atividades profissionais. Para isso eram necessárias a criação de um novo
sistema científico e moral que se harmonizasse com a ordem industrial
emergente.
Para contribuir com esse processo, a Sociologia devia se
consolidar como uma ciência com objeto e métodos próprios, ambicionando
entender as leis dos fenômenos sociológicos.
O objeto da ciência sociológica deveria ser essa nova forma de vida
coletiva, que não podia ser entendida apenas como uma ampliação da vida
individual. Esse objeto deveria ser submetido à observação, experimentação e
indução, para se chegar a leis que estabelecessem as relações entre os fenômenos
sociais.
Os fatos sociais e as três regras do método sociológico
Conforme Durkheim, a Sociologia deve estudar as instituições,
sua origem e funcionamento. Durkheim dá
o nome de fato social às instituições de uma sociedade dotadas de generalidade,
exterioridade e coercibilidade.
O fato social é um construto humano, uma forma de agir que se
impõe ao homem como algo exterior a ele, que não nasce com ele. É a síntese de todas as peculiaridades de
cada indivíduo na sociedade, as quais contribuem para a formação de uma vida
psíquica do coletivo, a sociedade. Os fenômenos sociais têm sua origem nessa
efervescência, na união das peculiaridades de cada um de seus membros. Essa
maneira de agir em sociedade induz a formação de regras coletivas, como normas
jurídicas, morais, dogmas religiosos e sistemas financeiros. São a maneira de viver,
que se torna obrigatória e são independentes e externas ao indivíduo. Essas
maneiras são imperativas, coagem os membros a aceitá-las e segui-las. São
interiorizadas pelos indivíduos a tal ponto que se tornam naturais, de tal modo
que essa coerção é muitas vezes não perceptível. Por esta forte influência,
tornam-se fatos ou instituições sociais e devem ser estudados a partir de sua
existência própria, dissociada das manifestações individuais das pessoas.
Durante seus estudos, Durkheim avaliou qual método científico seria
o ideal para superar o senso comum e se tornar a base de um método de estudo
sociológico. Tomou como base as ciências naturais, mas a diferenciou dos
estudos da natureza, por ter a Sociologia como objeto os fatos sociais. Criou procedimentos
que os sociólogos deviam seguir na observação dos fatos sociais, para que suas
pesquisas fossem consideradas estudos sociológicos. A principal delas seria
evitar os preconceitos, evitar juízos de valor sobre os fatos observados. O sociólogo
deve realizar seus estudos isentos de seus valores pessoais, da maneira mais
objetiva possível.
Coesão, solidariedade e os dois tipos de consciência
O ser humano é composto por uma consciência pessoal, particular
de si e de seus valores. Essa consciência é o que o torna diferente dos demais.
Contudo, há uma outra consciência, construída conforme os valores do grupo ao
qual ele se integra, por exemplo, seu ambiente de trabalho ou estudo. Essas
duas consciências compõe o ser social.
Esse convívio social é libertador para o ser humano, o torna
mais próximo de seus semelhantes, afirma os valores em comum. Nas sociedades em
que se desenvolve uma divisão de trabalho, a consciência comum passa a ocupar
menos essa consciência coletiva, o que permite maior individualidade,
contribuindo para o fortalecimento da personalidade. Além disso, quanto mais o
meio social se amplia, as peculiaridades individuais passam a ser aceitas com
mais tolerância pela consciência coletiva. Cada membro da sociedade, nesse
momento, pode assumir mais sua personalidade pessoal de agir e pensar. Essa
diferenciação não diminui a coesão social, a fortaleça, uma vez que as
individualidades de cada membro, assim como em um organismo, passam a criar um
mecanismo de interdependência. Durkheim estabelece uma analogia com a atração
que aproxima o homem e mulher que, por serem diferentes, completam-se.
Os dois tipos de solidariedade
Os laços que unem os membros de um grupo constituem a
solidariedade, a qual pode ser orgânica ou mecânica.
A solidariedade mecânica é aquela existente em sociedades mais simples
e homogêneas, com menor divisão de trabalho. São aquelas em que os laços entre
as pessoas se fundamentam na tradição, nos costumes. Nessas sociedades a
educação é difusa, não há mestres, as ideias e tendências são comuns a seus
integrantes, de tal modo que as partes não se distinguem entre si. Nelas não se
distingue o chefe dos demais membros, por que ele somente reflete a imagem do próprio
grupo que representa. Dessa união surge uma massa homogênea de natureza
familiar. Nessas sociedades, a transgressão ao comportamento esperado segundo a
tradição é punido exemplarmente.
A solidariedade mecânica é substituída pela solidariedade
orgânica quando surge uma maior divisão do trabalho. Nesse momento, inicia-se
um processo de individualização dos membros a sociedade. A função da divisão do
trabalho é integrar o corpo social, garantindo a sua unidade: os indivíduos se
unem não por suas semelhanças, mas pela interdependência dos membros da
sociedade. A função que o indivíduo desempenha determina seu papel na sociedade.
Os grupos formados por afinidades comportam-se como órgãos de um organismo
social. Há mais liberdade para as manifestações individuais e, apesar das
dificuldades, são maiores as possibilidades de questionamento das instituições
existentes e até dos atos qualificados como crimes.
O suicídio e a anomia
O suicídio, apesar de ter motivações individuais, concernentes à
personalidade do suicida, sofre forte influência do coletivo. Cada grupo social
tem uma predisposição ao suicídio e dela deriva os fatores que predispõem os
indivíduos ao suicídio. São três esses fatores: o egoísmo, o altruísmo e a
anomia. Um desequilíbrio desses fatores é condicionante do fato social suicídio.
A religião, a ideologia, as profissões, entre outros, podem conter esse fenômeno
social ou estimulá-lo.
O suicídio egoísta advém do desamparo social, o indivíduo se
sente excluído e prefere se matar.
O suicídio altruísta ou religioso pode acontecer quando o
indivíduo abdica de sua vida em prol de valores de um grupo. É o caso de soldados
em uma guerra que se sacrificam pelo bem de seu pelotão.
O suicídio por antinomia acontece quando a sociedade passa por
uma situação de perda de valores morais, de tal modo que o grupo deixa de impor
uma coesão social a seus indivíduos. Esta é uma situação característica das
sociedades modernas que passam por grandes problemas econômicos ou sociais.
Conclusão
A partir dos anos 90 o pensamento de Durkheim vem sendo
reavaliado, sendo combatida uma visão reducionista que o classifica como mero
pensador funcionalista ou conservador. Seu
pensamento, métodos e categorias são muito úteis para o entendimento de
questões da modernidade, especialmente na Filosofia e na Moral, e também como
alternativa ao paradigma marxista, que enfrenta uma certa crise para explicar
todas as dimensões da sociedade moderna[1].
Bibliografia
QUINTANEIRO,
Tania. Um Toque de clássicos –
Marx/Durkheim/Weber. Editora UFMG, 2003.
[1]
Essa nova abordagem é discutida por Raquel Weiss, doutora em Filosofia pela
USP, especialista em Émile Durkheim.
Para ilustrá-la, ver entrevista para a Univesp TV, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=BeK3FDE_Iy0,
publicada em 28/01/2016.
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