segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Um Resumo das Ideias de Durkheim

Introdução

Durkheim viveu numa Europa conturbada por guerras, numa França marcada por revoluções, na transição do Império para a Terceira República. As mudanças sócias decorrentes da Revolução Francesa e Industrial influenciaram fortemente sua produção científica e sua teoria sociológica. Os seus trabalhos refletem a tensão dos valores e instituições que estavam sendo corroídos por essas transformações. A industrialização, com sua força de transformação, impunha a necessidade de mudanças naquela sociedade outrora impregnada por valores medievais. Durkheim compartilhava a crença, comum na sua época, de que a humanidade avançava, gradualmente, em direção ao progresso. Mas entendia que sua época precisava superar o desafio da substituição da força integradora de instituições como a religião e a família, por instituições mais ligadas às atividades profissionais. Para isso eram necessárias a criação de um novo sistema científico e moral que se harmonizasse com a ordem industrial emergente.
Para contribuir com esse processo, a Sociologia devia se consolidar como uma ciência com objeto e métodos próprios, ambicionando entender as leis dos fenômenos sociológicos.  O objeto da ciência sociológica deveria ser essa nova forma de vida coletiva, que não podia ser entendida apenas como uma ampliação da vida individual. Esse objeto deveria ser submetido à observação, experimentação e indução, para se chegar a leis que estabelecessem as relações entre os fenômenos sociais.

Os fatos sociais e as três regras do método sociológico

Conforme Durkheim, a Sociologia deve estudar as instituições, sua origem e funcionamento.  Durkheim dá o nome de fato social às instituições de uma sociedade dotadas de generalidade, exterioridade e coercibilidade.
O fato social é um construto humano, uma forma de agir que se impõe ao homem como algo exterior a ele, que não nasce com ele.  É a síntese de todas as peculiaridades de cada indivíduo na sociedade, as quais contribuem para a formação de uma vida psíquica do coletivo, a sociedade. Os fenômenos sociais têm sua origem nessa efervescência, na união das peculiaridades de cada um de seus membros. Essa maneira de agir em sociedade induz a formação de regras coletivas, como normas jurídicas, morais, dogmas religiosos e sistemas financeiros. São a maneira de viver, que se torna obrigatória e são independentes e externas ao indivíduo. Essas maneiras são imperativas, coagem os membros a aceitá-las e segui-las. São interiorizadas pelos indivíduos a tal ponto que se tornam naturais, de tal modo que essa coerção é muitas vezes não perceptível. Por esta forte influência, tornam-se fatos ou instituições sociais e devem ser estudados a partir de sua existência própria, dissociada das manifestações individuais das pessoas.
Durante seus estudos, Durkheim avaliou qual método científico seria o ideal para superar o senso comum e se tornar a base de um método de estudo sociológico. Tomou como base as ciências naturais, mas a diferenciou dos estudos da natureza, por ter a Sociologia como objeto os fatos sociais. Criou procedimentos que os sociólogos deviam seguir na observação dos fatos sociais, para que suas pesquisas fossem consideradas estudos sociológicos. A principal delas seria evitar os preconceitos, evitar juízos de valor sobre os fatos observados. O sociólogo deve realizar seus estudos isentos de seus valores pessoais, da maneira mais objetiva possível.

Coesão, solidariedade e os dois tipos de consciência

O ser humano é composto por uma consciência pessoal, particular de si e de seus valores. Essa consciência é o que o torna diferente dos demais. Contudo, há uma outra consciência, construída conforme os valores do grupo ao qual ele se integra, por exemplo, seu ambiente de trabalho ou estudo. Essas duas consciências compõe o ser social.
Esse convívio social é libertador para o ser humano, o torna mais próximo de seus semelhantes, afirma os valores em comum. Nas sociedades em que se desenvolve uma divisão de trabalho, a consciência comum passa a ocupar menos essa consciência coletiva, o que permite maior individualidade, contribuindo para o fortalecimento da personalidade. Além disso, quanto mais o meio social se amplia, as peculiaridades individuais passam a ser aceitas com mais tolerância pela consciência coletiva. Cada membro da sociedade, nesse momento, pode assumir mais sua personalidade pessoal de agir e pensar. Essa diferenciação não diminui a coesão social, a fortaleça, uma vez que as individualidades de cada membro, assim como em um organismo, passam a criar um mecanismo de interdependência. Durkheim estabelece uma analogia com a atração que aproxima o homem e mulher que, por serem diferentes, completam-se.

Os dois tipos de solidariedade

Os laços que unem os membros de um grupo constituem a solidariedade, a qual pode ser orgânica ou mecânica.
A solidariedade mecânica é aquela existente em sociedades mais simples e homogêneas, com menor divisão de trabalho. São aquelas em que os laços entre as pessoas se fundamentam na tradição, nos costumes. Nessas sociedades a educação é difusa, não há mestres, as ideias e tendências são comuns a seus integrantes, de tal modo que as partes não se distinguem entre si. Nelas não se distingue o chefe dos demais membros, por que ele somente reflete a imagem do próprio grupo que representa. Dessa união surge uma massa homogênea de natureza familiar. Nessas sociedades, a transgressão ao comportamento esperado segundo a tradição é punido exemplarmente.
A solidariedade mecânica é substituída pela solidariedade orgânica quando surge uma maior divisão do trabalho. Nesse momento, inicia-se um processo de individualização dos membros a sociedade. A função da divisão do trabalho é integrar o corpo social, garantindo a sua unidade: os indivíduos se unem não por suas semelhanças, mas pela interdependência dos membros da sociedade. A função que o indivíduo desempenha determina seu papel na sociedade. Os grupos formados por afinidades comportam-se como órgãos de um organismo social. Há mais liberdade para as manifestações individuais e, apesar das dificuldades, são maiores as possibilidades de questionamento das instituições existentes e até dos atos qualificados como crimes.

O suicídio e a anomia

O suicídio, apesar de ter motivações individuais, concernentes à personalidade do suicida, sofre forte influência do coletivo. Cada grupo social tem uma predisposição ao suicídio e dela deriva os fatores que predispõem os indivíduos ao suicídio. São três esses fatores: o egoísmo, o altruísmo e a anomia. Um desequilíbrio desses fatores é condicionante do fato social suicídio. A religião, a ideologia, as profissões, entre outros, podem conter esse fenômeno social ou estimulá-lo.
O suicídio egoísta advém do desamparo social, o indivíduo se sente excluído e prefere se matar.
O suicídio altruísta ou religioso pode acontecer quando o indivíduo abdica de sua vida em prol de valores de um grupo. É o caso de soldados em uma guerra que se sacrificam pelo bem de seu pelotão.
O suicídio por antinomia acontece quando a sociedade passa por uma situação de perda de valores morais, de tal modo que o grupo deixa de impor uma coesão social a seus indivíduos. Esta é uma situação característica das sociedades modernas que passam por grandes problemas econômicos ou sociais.

Conclusão

A partir dos anos 90 o pensamento de Durkheim vem sendo reavaliado, sendo combatida uma visão reducionista que o classifica como mero pensador funcionalista ou conservador.  Seu pensamento, métodos e categorias são muito úteis para o entendimento de questões da modernidade, especialmente na Filosofia e na Moral, e também como alternativa ao paradigma marxista, que enfrenta uma certa crise para explicar todas as dimensões da sociedade moderna[1].

Bibliografia

QUINTANEIRO, Tania. Um Toque de clássicos – Marx/Durkheim/Weber. Editora UFMG, 2003.




[1] Essa nova abordagem é discutida por Raquel Weiss, doutora em Filosofia pela USP, especialista em  Émile Durkheim. Para ilustrá-la, ver entrevista para a Univesp TV, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=BeK3FDE_Iy0, publicada em 28/01/2016.

Nenhum comentário:

Postar um comentário